terça-feira, 7 de novembro de 2017

FRONTEIRAS SEM AGENTES, SEM POSTOS E SEM POLICIAMENTO


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ZERO HORA 06/11/2017

Inspeção aponta falta de agentes e precariedade em postos de fronteira da PF no RS. Agentes federais percorreram 3,2 mil quilômetros durante cinco dias e visitaram 12 localidades onde estão situadas delegacias, postos avançados e Centros Unificados de Fronteira



Humberto Trezzi



Prédio da corporação em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, é velho e apresenta problemas de manutençãoDivulgação / Policia Federal


O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro com o maior número de postos de fronteira da Polícia Federal, em decorrência de sua localização estratégica. Nem por isso é bem guarnecido. Inspeção realizada pela diretoria da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) recentemente evidenciou a precariedade de instalações da PF, sobretudo no território gaúcho fronteiriço com a Argentina e o Uruguai. Os agentes federais percorreram 3,2 mil quilômetros durante cinco dias e visitaram 12 localidades onde estão situadas delegacias, postos avançados e Centros Unificados de Fronteira (onde PF e Receita Federal de países fronteiriços atuam juntas).


A conclusão é de que o RS é uma região extremamente porosa às toneladas de drogas que abastecem o mercado interno e alimentam a indústria do narcotráfico, ao contrabando, com a entrada e saída clandestinas de mercadorias proibidas (que concorrem com a indústria nacional), ao descaminho de mercadorias (responsável por valor inestimável de sonegação de impostos), ao livre fluxo de carros roubados, criminosos e foragidos de alta periculosidade e ao tráfico de animais silvestres.


— A fragilidade das fronteiras somente não é maior graças ao profissionalismo dos agentes, que se veem obrigados a se desdobrar para combater os crimes. Além das péssimas condições de trabalho, nas zonas fronteiriças também faltam boas condições de moradia, educação e saúde aos policiais federais e seus familiares — resume o presidente do Sindicato dos Policiais Federais/RS, Ubiratan Sanderson.


Sanderson foi um dos que realizaram a inspeção, junto com o presidente da Fenapef, Luis Antônio Boudens. Os dois responsabilizam a logística insuficiente na fronteira pelo ingresso de armamento que ajuda a explicar os 60 mil homicídios anuais ocorridos no Brasil, com aumento vertiginoso do poderio bélico dos criminosos.


A Fenapef representa hoje 15 mil policiais federais de todo o país. A direção da entidade pretende percorrer os 16 mil quilômetros de fronteira do Brasil com os países vizinhos. Já foram visitados, antes do RS, postos fronteiriços de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Em território gaúcho, a inspeção não se limitou à fronteira. Foram visitadas unidades da PF em Pelotas, Rio Grande, Chuí, Jaguarão, Bagé, Aceguá, Santo Ângelo, Porto Xavier, São Borja, Uruguaiana, Quaraí e Santana do Livramento.
No posto de Quaraí, na fronteira com Uruguai, carros passam praticamente sem fiscalizaçãoDivulgação / Policia Federal


A falta de pessoal é uma constante. Além disso, a Fenapef constatou muitas delegacias com instalações inapropriadas, não tendo sido construídas para aquela finalidade específica. É o caso da Delegacia de Pelotas e do Centro Unificado de Fronteira de São Borja, segundo os sindicalistas. No Posto de Migração do Chuí, o espaço disponível foi cedido pela Receita Federal, também responsável pelo serviço de vigilância e limpeza. O mesmo ocorre no Posto Avançado de Porto Xavier e na Aduana em Uruguaiana.


Problemas de manutenção de estrutura física das delegacias também foram constatados, com casos até de alagamentos das salas de trabalho. O mobiliário muitas vezes é impróprio. Em alguns casos a mobília existente foi doada pelo Sindicato dos Policiais Federais. As sedes das delegacias de Rio Grande, Uruguaiana e Pelotas estão deterioradas.


— Colocam em risco não apenas os policiais federais, como também os cidadãos que procuram os serviços da Polícia Federal — enfatiza Boudens.


Plano Estratégico de Fronteira tem carências


Foram detectadas também deficiências dos equipamentos de comunicação, agravadas pela ausência de sinal de celular, um fator essencial que dificulta o trabalho e coloca os servidores plantonistas em risco, em casos mais urgentes. Os coletes balísticos são insuficientes para todos os servidores.


Boudens sugere que seja implementado, em sua totalidade, o Plano Estratégico de Fronteira. Ele prevê ampliação do número de servidores e criação de mecanismos de estímulo para que esses agentes policiais permaneçam nas fronteiras. Um desses projetos é a Indenização de Fronteira, criada pela Lei nº 12.855, de setembro de 2013, e pendente de regulamentação. Seria um auxílio financeiro aos agentes de postos fronteiriços.


Boudens considera fundamental também planos com atuações integradas no combate a crimes transnacionais nessas regiões fronteiriças. Elas abrangem 150 km de largura ao longo de 16.886 km de extensão terrestre. Envolvem 11 Estados, que têm limites com 10 países vizinhos (Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa).


Procurada, a Superintendência da Polícia Federal no Rio Grande do Sul não quis comentar a inspeção da Fenapef.

Raio-X da PF no RS






Porto Vera Cruz (fronteira com Argentina) - não há agente da PF no posto.


Porto Soberbo (fronteira com Argentina) - não há agente no posto.


Porto Xavier (fronteira com Argentina) - dois agentes, só de dia. À noite, fechado.


Porto Mauá (fronteira com Argentina) - dois agentes, só de dia. À noite, fechado.


São Borja (fronteira com Argentina) - no Centro Unificado de Fronteira (CUF, que mescla policiais brasileiros e argentinos), situado na cidade argentina de Santo Tomé, os agentes brasileiros trabalham desarmados e sem poder de polícia. A delegacia de PF, que poderia ser um possível reforço em caso de necessidade, está situada a uma distância de cerca de 10 km.


Uruguaiana (fronteira com Argentina) - os agentes são em número insuficiente (três) para atender aos milhares de turistas argentinos que adentram o país via Paso de Los Libres, com fluxo diário de até 30 mil pessoas na alta temporada. Trabalham 24 horas direto. Na cidade argentina são 15 os agentes da Gendarmeria.


Santo Ângelo - a delegacia tem hoje metade do efetivo existente há 15 anos (o total não foi revelado à imprensa).


Aceguá (fronteira com Uruguai) - o posto da PF, a 60 km de Bagé, está na iminência de ser fechado. Isso porque apenas um agente cuida do local, de dia, que possui cinco rotas de acesso ao Interior (uma BR e quatro rodovias vicinais). À noite, sem pessoal, o posto é fechado.


Chuí (fronteira com Uruguai) - apenas dois agentes em regime de plantão (24 horas, direto).


Jaguarão (fronteira com Uruguai) - apenas dois agentes em regime de plantão (24 horas, direto).


Quaraí (fronteira com Uruguai) - apenas dois agentes em regime de plantão diurno. À noite, sem pessoal, o posto é fechado. O fluxo de veículos e pessoas é praticamente livre para a cidade uruguaia de Artigas. Os plantonistas precisam emitir tarjetas de entrada e saída, emitir certidões de antecedentes criminais e confeccionar a carteira de estrangeiros.