segunda-feira, 20 de agosto de 2012

NOSSO "PLANO COLÔMBIA"

FOLHA.COM. 20/08/2012 - 06h30

PF avança a fronteira para combater tráfico de drogas

FERNANDO MELLO
MÁRCIO NEVES
DE BRASÍLIA


A Polícia Federal lançou mão de uma nova tática para combater o tráfico de drogas nas fronteiras: os policiais brasileiros entram no território de outros países, como Peru e Paraguai, para destruir plantações de maconha e da folha de coca, matéria-prima da cocaína e do crack.

A estratégia surgiu após a PF identificar um problema -o de que, há cinco anos, a coca vem sendo plantada cada vez mais perto da fronteira, o que facilita a entrada no país.

Em 2008, o Brasil começou a fazer acordos de cooperação com os vizinhos para trocar informações de inteligência sobre traficantes internacionais.

No ano passado, foi fechado o acordo com o Peru tratando especificamente da entrada dos brasileiros em território peruano para a destruição de plantações e laboratórios -o contrário não está previsto.

Os acordos são acompanhados pelo Itamaraty.

Entre agentes, a tática é chamada de "nosso Plano Colômbia" -referência à ação dos EUA para combater o narcotráfico em solo colombiano.

O projeto ainda é visto com desconfiança por policiais peruanos com quem a Folhaconversou. Eles não quiseram se pronunciar oficialmente, sob argumento de que ainda é cedo para prever resultados.

Nos últimos 15 dias, a PF realizou uma operação em Tabatinga (AM), batizada de Trapézio, em referência à fronteira com Peru e Colômbia.

Em solo peruano, a PF destruiu 100 hectares de plantação de folha de coca, que gerariam mais de 700 kg de droga. A planta leva ao menos dois anos para crescer de novo.

Com a ajuda de agentes peruanos, colombianos e da DEA (agência antidrogas dos EUA), os brasileiros explodiram ainda laboratórios do tráfico.

Márcio Neves/Folhapress

PF patrulha o rio Solimões em operação para destruir áreas de plantação coca na divisa com Peru e Colômbia


A PF também tem acordo para entrar no Paraguai. A ideia é repetir a tática na Colômbia e, principalmente, na Bolívia, o que depende do aval do governo Evo Morales. Como a Folharevelou em julho, 54% da cocaína que entra no Brasil vêm da Bolívia e 38% do Peru.

"Erradicar as plantações é mais eficiente do que simplesmente apreender a carga. Esses pés estão próximos à fronteira com o Brasil, ou seja, vão abastecer o mercado brasileiro", disse o Diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, delegado Oslain Santana.

O Brasil tem 16,8 mil km de fronteiras e só cerca de 1.400 policiais no controle. Só o limite com a Bolívia tem o tamanho da divisão entre EUA e México. Os americanos, porém, têm mais de 20.000 agentes lá.

"Não se combate crime organizado só com trabalho ostensivo. No caso do tráfico, é preciso identificar quem comete o crime", diz Santana.

PROJETO DE CONTROLE AÉREO DA FRONTEIRA ESTÁ ATRASADO

Um outro projeto da PF para as fronteiras, o uso dos Vants (aviões não tripulados), está atrasado.

Ele começou na gestão do ex-diretor Luiz Fernando Corrêa, mas só um avião está apto. Há pendências com o Tribunal de Contas da União, que considerou desproporcionais os gastos com treinamento e manutenção.

Missões em outros países envolvem riscos. Em 2011, dois agentes foram mortos durante investigação na fronteira com o Peru. O traficante peruano responsável pelas mortes foi preso.


Análise: Ocupar vácuo que os EUA vêm deixando traz risco

FLÁVIA MARREIRO
DE SÃO PAULO

Segundo maior consumidor individual de cocaína do mundo e vizinho dos maiores produtores globais da droga, o Brasil não tem escolha a não ser ter um papel mais ativo no combate do problema.

A questão é saber se a estratégia que se desenha tem potencial para ter resultados ou é uma espécie de reprodução do modelo que os EUA utilizam desde os anos 70 com efeitos, no mínimo, controversos.

A operação da Polícia Federal no Peru é positiva porque aumenta a coordenação entre as polícias e a DEA, a agência antidrogas norte-americana, e dá flexibilidade para ações transfronteira.

Mas traz riscos também. Ocupar o vácuo que os EUA vêm deixando, com redução de financiamento e operações, pode fazer o Brasil herdar os questionamentos a respeito de soberania e subordinação entre as forças de segurança.

Editoria de arte/folhapress



Sem falar da Colômbia, onde combater híbridos de narcotraficantes e guerrilheiros em operações conjuntas acarretaria consequências imensamente mais complexas.

Na Bolívia, "x" do problema porque vem de lá a maioria da cocaína consumida aqui, uma operação como a do Peru tampouco seria possível, já que a DEA não poderia atuar -foi expulsa pelo governo Evo Morales, acusada de "ingerência".

Numa prova de que há novos desenhos a serem testados, mesmo sem a DEA, Brasil e EUA estão atuando juntos no combate às drogas na Bolívia.

Os três países assinaram um acordo em janeiro que prevê uma divisão de tarefas na qual Washington paga a tecnologia de monitoramento de plantio de coca, o
Brasil a aplica e compartilha os No entanto, mesmo que esses esquemas funcionem às mil maravilhas, são claramente insuficientes.

Como lembra Kathryn Ledebur, diretora da ONG Rede Andina da Informação, especializada no tema na Bolívia, é "um mito pensar que se pode controlar o fluxo de drogas" numa fronteira como a de Brasil e Bolívia. Vide o caso americano-mexicano.

Sem atacar a demanda, que só cresce no Brasil, e debater novos paradigmas do tema, é difícil apostar na redução do problema.

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